Saí de casa sem um destino determinado. Resolvi caminhar
pelas ruas, pois muita coisa deveria ter mudado durante meu afastamento
involuntário. Estava curiosa e apreensiva. Saberia eu lidar com a nova
realidade? Saberia esquecer o que passei e recomeçar? Não havia mais
certezas... Se o instinto de sobrevivência sempre prevalece, então nada mais me
restava senão aceitar a minha vida e seguir adiante aos tropeços. O tratamento
acabara e eu fora considerada capaz de retomar a antiga existência fútil e cada
vez mais pesada. Eu era considerada normal. Na minha cabeça as perguntas de
sempre iam e viam. No entanto, eu tinha aprendido a fingir e sorria, sorria,
sorria...
Resignada, eu conseguira minha liberdade fora daquela prisão que já não suportava. Novos caminhos precisavam ser trilhados e eu estava disposta a recomeçar. Por que não um passeio solitário?
Caminhei a esmo pelas ruas que me eram completamente
estranhas, os transeuntes pareciam feitos de bruma, de algum material inerte.
Apenas eu me via! Parei um instante para contemplar o que antes me era tão
conhecido e que agora fazia parte de algo que não sei se era real. Terá sido
apenas sonho?
Andei mais depressa como se fugisse de algo... Como se fosse possível deter
meus pensamentos tão confusos. Quase corro...
De repente, alguém passa por mim e eu descubro que posso ser percebida. Nós
dois paramos e nossos olhos se encontraram. Durante longo tempo eu tentara sair
dali, mas seus olhos me fitavam com um ardor e uma profundidade jamais sentida.
Aquele homem mal vestido, com cabelos desgrenhados, dentes amarelados e mau
cheiro conseguia penetrar no mais íntimo do meu ser. Ele me atingia como um
soco no estômago. Ele me observava como quem analisa um ser inanimado. Era isto
que eu era? Eu me sentia mesmo um ser abstrato. Ele conseguia captar minha alma
e eu tinha medo.
Sentia medo de quê? Não sabia. Mas meu coração pulsava cada vez mais forte e
meu corpo permanecia ali, inerte, como se já não pudesse me obedecer. Palavras
não foram ditas, não precisava. Nós nos entendíamos pelo olhar, que cada vez se
tornava mais perturbador... Eu queria sair dali, não suportava mais aqueles
olhos... Aqueles olhos me aprisionavam...
Eu estava estática, nenhum movimento me era permitido, aqueles olhos... Não
conseguia parar de olhá-los, não desviava meu olhar por nenhum segundo
sequer daquele homem. Era como se nós dois nos completássemos. Como se o que
vivi pertencia de alguma forma a ele também.
De repente, vozes me chamam, olho para trás mas não vejo sinal de qualquer pessoa. Volto
rapidamente meu olhar para o desconhecido, mas ele já não se encontrava lá.
Desaparecera em segundos e me vi novamente só. Olhei para todos os lados na
esperança de revê-lo, mas foi em vão.
Resolvi voltar, a caminhada já fora suficiente por aquele dia. Havia
recomendações para eu não me exceder. Cheguei em casa depressa, abri a porta e
entrei no meu quarto, meu refúgio particular. A imagem daquele homem
não saía da minha cabeça...
Ao tirar a roupa, senti um calafrio percorrer meu corpo,
como se estivesse sendo observada naquele exato momento. Fui até o espelho, vi
um reflexo que me fez estremecer de horror...
Aproximei-me e lá
estava ele, olhando novamente para mim. Fitava-me fixamente como se pudesse
enfim preencher o meu vazio. Percebi naquele instante que meu destino estava
traçado e que jamais eu conseguiria me libertar daqueles olhos inquisidores
porque eles me pertenciam.
Tania
Barros
Nenhum comentário:
Postar um comentário